quarta-feira, 14 de março de 2012

Um poema porno-surreal

E hoje, 14 de março, é comemorado o dia da Poesia. E para homenegear a data selecionamos esse poema de Leonard Cohen, poeta e escritor canadense, escrito para o livro The spice-box of Earth, lançado em 1961, e é comentado por Michael Ondaatje, autor de livro biográfico sobre Cohen.
Diz Ondaatje: “Em ‘Você tem os amantes’, o casal é mais uma vez trancado em sua intimidade, longe do convívio social, repartindo histórias que ‘só eles sabem’. O poema é uma maravilhosa peça de escrita, uma espécie de pornografia surreal. (…) Dentro das quatro paredes, o casal continua seu eterno ritual cego, com os olhos fechados ‘como se pesadas moedas de carne pousassem sobre eles’. Cohen descreve a cena em câmera lenta. Os amantes não têm rosto ou personalidade, são apenas um corpo de carne – um novo objeto de adoração – intenso, democrático e eterno.”

Você tem os amantes

Você tem os amantes
Eles não têm nome, suas histórias só eles sabem
Você tem o quarto, a cama e as janelas.
Finja que é um ritual.
Desembrulhe a cama, enterre os amantes, escureça as janelas,
deixe-os viver na casa por uma geração ou duas.
Ninguém ousa perturbá-los.
Visitantes no corredor andam na ponta dos pés diante da porta trancada,
tentando ouvir ruídos, algum gemido, uma canção:
nada é ouvido, nem mesmo a respiração.
Você sabe que eles não estão mortos,
você sente a presença de seu amor intenso.
Seus filhos crescem, saem de casa,
tornam-se soldados e cavaleiros.
Seu par morre depois de uma vida dedicada ao trabalho.
Quem te conhece? Quem lembra de você?
Mas na sua casa o ritual está em andamento:
Não acabou: é preciso mais gente.
Um dia abre-se a porta para o aposento dos amantes.
O quarto virou um denso jardim,
cheio de cores, cheiros, sons dos quais você nunca teve conhecimento.
A cama está suave como uma hóstia de luz,
solitária em meio ao jardim.
Na cama os amantes, lenta, deliberada e silenciosamente,
fazem amor.
Seus olhos estão fechados,
tão fortemente como se pesadas moedas de carne pousassem sobre eles.
Seus lábios estão machucados por novas e velhas feridas.
O cabelo dela e a barba dele estão completamente entrelaçados.
Quando ele encosta a boca no ombro dela,
não há como saber se o ombro
deu ou recebeu um beijo.
Toda sua carne é como uma boca.
Ele alisa com os dedos a cintura dela
e sente a própria cintura ser acariciada.
Ela o aperta bem forte e os braços dele a enlaçam.
Ela beija a mão ao lado de sua boca.
É sua própria mão ou a dele, não importa,
há muito mais beijos.
Você fica ao lado da cama, chorando de felicidade,
você descola cuidadosamente os lençóis
dos corpos em câmera lenta.
Com os olhos cheios de lágrimas, você mal distingue os amantes.
À medida em que se despe, você canta, e sua voz é magnífica,
porque agora você sabe que é a primeira voz humana
a soar naquele quarto.
As peças de roupa caem e se transformam em vinhas.
Você sobe na cama e recupera a carne.
Você fecha os olhos e permite que eles sejam costurados.
Você cria uma abraço e se deixa levar por ele.
Há um momento de dor ou dúvida
enquanto você tenta imaginar quantas multidões deitam ao seu lado,
mas uma boca beija e uma mão conforta e afasta esse momento.

Tradução de Daniel Benevides

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